Estudante de escola pública usa inteligência artificial para criar plataforma que ensina educação fiscal: 'impacto social'
31/07/2025
(Foto: Reprodução) João Vitor Regis durante desenvolvimento de chatbot sobre educação fiscal
João Vitor Regis / Arquivo pessoal
Quando o sol acorda, por volta das 5h, João Vitor Regis também desperta e se prepara para a rotina escolar, assim como outros adolescentes aos 17 anos. Ao todo, nove quilômetros separam a comunidade em que o garoto mora da escola onde ele estuda. Já no caminho, entre um espaço e outro, a mágica acontece. O jovem aproveita o tempo livre, enquanto o ônibus chacoalha pelas estradas de barro, para pensar em novas ideias e desenvolver projetos que fazem a diferença em uma comunidade escolar com mais de 500 alunos. E foi em um momento assim que o paraibano idealizou um chatbot, que a partir de inteligência artificial, tira dúvidas e ensina sobre educação fiscal.
Para simplificar, um chatbot é um programa de internet. Basicamente, a ferramenta é projetada para simular conversas com usuários humanos. No caso da plataforma que foi criada por João Vitor, chamada de "taxtalk", a simulação de diálogo acontece em formato de texto. Para quem a manuseia, a linguagem é simples e objetiva.
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A ferramenta foi criada com um objetivo coletivo: ensinar noções de educação fiscal aos colegas de sala e a toda comunidade da Escola Cidadã Técnica Integral Otávia Silveira, do município de Mogeiro, localizado a quase 90 quilômetros de João Pessoa, a capital paraibana. O programa é voltado para alunos, professores e cidadãos que querem aprender mais sobre o assunto.
O chatbot dispara os principais conceitos dos impostos e também mostra quais são os direitos e deveres dos contribuintes. Além disso, ainda há o encaminhamento, se necessário, para os portais de transparência das cidades dos usuários.
"É um tema pouco explorado nas escolas e na sociedade. E por ser necessário que cada indivíduo tenha esses conhecimentos básicos de educação financeira, alinhamos isso a uma plataforma e disseminamos esse conhecimento de forma descomplicada", explicou o estudante.
Descomplicar foi uma missão que o estudante levou ao pé da letra, já que com um clique, a ferramenta criada por João Vitor ajuda a formar cidadãos mais conscientes sobre o pagamento de impostos, assim como o retorno que essa ação gera. Afinal, é importante que seja do conhecimento de todos que os tributos pagos pela população são transformados em políticas públicas para a sociedade, com investimentos em áreas como educação, saúde, segurança e infraestrutura.
Com uma pegada prática, o aplicativo do estudante também reforça que sonegar impostos, ou simplesmente não pagá-los, faz com que esses recursos se tornem inexistentes e não cheguem aos cofres públicos.
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Na Paraíba, por exemplo, os impostos estaduais formam a principal fonte de receita. Somente em 2024, a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) repassou R$ 2,699 bilhões arrecadados por meio de tributos para todos os 223 municípios paraibanos.
Já a arrecadação dos impostos de 2024, conforme a Sefaz, alcançou o valor de R$ 10.417.340.848,29. E até maio deste ano, R$ 4.548.378.102,18 em tributos foram arrecadados. Confira detalhes também de períodos anteriores no gráfico abaixo.
João Vitor aprendeu na escola que a educação fiscal é importante para formar cidadãos conscientes e participativos. E para fortalecer esse perfil, ele apostou na tecnologia como um "meio de impacto social". Mas tudo isso não aconteceu do dia para a noite. Entre aulas, horas de estudos na biblioteca, refeições, jogos de vôlei nos intervalos e muita música para relaxar, o programa foi desenvolvido em algumas etapas.
"Fiz o mapeamento dos principais temas de educação fiscal que sejam de grande utilidade ao público. Em seguida, construí a estrutura: defini os caminhos de perguntas e acesso a outras páginas. Depois, construí os blocos de conteúdo, programei no construtor da Landbot (plataforma para criação de chatbots) e usei uma linguagem mais acessível ao público, para depois liberar para alguns alunos da escola testarem e fazer alguns ajustes finais", recordou com entusiasmo.
Unindo o útil ao agradável, o jovem simplificou um assunto complexo e o disponibilizou de forma acessível. E foi além, fazendo com que esse conhecimento coubesse na palma da mão, em aparelhos que moram na rotina. Ferramentas assim se encaixam no cotidiano de uma sociedade como a brasileira, em que 163,8 milhões de pessoas com 10 anos ou mais possuem celular para uso pessoal, número que representa 87,6% da população nessa faixa etária. Os dados são do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Além dos frutos instantâneos do trabalho que desempenhou, o adolescente paraibano também acredita que o chatbot possa virar um costume para a comunidade em geral e promover ainda mais benefícios.
"Acredito que ele possa quebrar barreiras do conteúdo técnico, engajando estudantes, professores e qualquer cidadão. Como consequência, popularizar o portal da transparência, tornando mais comum o hábito de acompanhar como o dinheiro público está sendo usado", revelou com um tom de esperança.
Na palma da mão ou a um clique: entenda como o chatbot funciona
O garoto não exagera quando sentencia que a ferramenta criada por ele é de fácil acesso. Com o celular em mãos ou no teclado de um computador, basta um clique no link do "taxtalk" e o usuário já mergulha no sistema.
🤖 Acesse o 'taxtalk' e tire suas dúvidas sobre educação fiscal
Cordial, na primeira página, o chatbot se apresenta e entrega de cara qual a finalidade que ele assume. Depois disso, pergunta sobre qual assunto a pessoa tem mais dificuldade. Na lista, estão os seguintes temas:
💰Conceitos tributários básicos;
👩🏻🦱🪙Direitos e deveres dos contribuintes;
💱Transparência e qualidade dos gastos públicos;
🏚️E perfil da Associação dos Auditores Fiscais da Paraíba.
Confira abaixo um resumo do conteúdo encontrado em cada uma dessas abas.
Página inicial do 'taxtalk'
'Taxtalk'/Reprodução
Conceitos tributários básicos
Quem quer saber sobre os conceitos tributários básicos, recebe imediatamente uma explicação do que são os impostos. Afinal, nem todo mundo consegue sempre essa definição clara na ponta da língua. Então, que tal aprender ou lembrar com o "taxtalk"?
"Os tributos são valores que o governo cobra para financiar suas atividades e serviços públicos, como educação, saúde e infraestrutura. Eles são fundamentais para garantir o funcionamento e o desenvolvimento da sociedade", definiu o programa.
Em seguida, o chat explica que os impostos são obrigatórios no Brasil e elenca, também com as definições, os tributos mais comuns. Assim, os usuários podem entender melhor sobre o Imposto de renda (IR), Imposto sobre circulação de bens e serviços (ICMS), Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU), Imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) e Imposto sobre produtos industrializados (IPI).
Página de conceitos tributários básicos do 'taxtalk'
'Taxtalk'/Reprodução
Direitos e deveres das pessoas que pagam impostos
Já para quem prefere conhecer mais sobre os direitos e deveres das pessoas que pagam impostos, o programa lista direitos como isenções de alguns tributos, redução de multas e juros em programas de regularização fiscal e a devolução de impostos pagos a mais.
E como deveres, indica e alerta sobre a necessidade de emissão das notas fiscais e de contribuir com a seguridade social.
Página de direitos e deveres dos contribuintes no 'taxtalk'
'Taxtalk'/Reprodução
Transparência e qualidade dos gastos públicos
Na área de transparência, o usuário pode ter acesso ao portal da transparência da cidade em que mora. Desse jeito, também com poucos cliques, acompanha o uso de recursos públicos e faz uma espécie de controle social da gestão pública do lugar onde vive.
Perfil da Afrafep
Por fim, quem é da Paraíba e também de outros estados pode conhecer a Afrafep, por meio do site oficial da entidade. Além disso, tem acesso a informações sobre convênios e parcerias. Fundada em setembro de 1962, a instituição não possui fins lucrativos.
João Vitor Regis em apresentação do 'taxtalk' na escola
João Vitor Regis / Arquivo pessoal
'O que ele faz tem valor': chatbot foi criado em projeto de disciplina eletiva
Suênio Anderson é professor há 13 anos e protagoniza uma rotina de trabalho que começa um pouco depois das 7h e acaba no fim da tarde. Com o passar dos dias inteiros dedicados à profissão, todo o tempo útil da semana é destinado às aulas de Química, disciplina obrigatória que ele leciona, e aos projetos e planejamentos dentro da matéria eletiva de Práticas Integradoras.
Por conta do apreço pela área da tecnologia, foi na eletiva que o professor criou o projeto "Na era da IA" (inteligência artificial), que oferece a possibilidade de criar atividades interdisciplinares, como a plataforma que foi desenvolvida por João Vitor.
Atualmente, o jovem está matriculado no último ano do ensino médio, mas o componente curricular conta com mais de 35 estudantes de todas as séries dessa fase escolar.
"As Práticas Integradoras permitem que o estudante desenvolva projetos interdisciplinares na área de ciência, tecnologia e inovação, de acordo com as próprias afinidades. Sempre que tenho oportunidade, envolvo os alunos em projetos de inovação", explicou orgulhoso.
Por enquanto, a finalidade do projeto é o desenvolvimento de ferramentas para disseminação de informações de forma correta. A criação do João Vitor, por exemplo, é da área de educação fiscal. Mas alguns colegas dele trabalham com iniciativas nos segmentos de saúde e meio ambiente.
O professor usa o exemplo do chatbot como uma boa prática. De acordo com ele, a ferramenta fez com que a turma ficasse mais engajada.
"Eles aprendem mais assim. Com o celular na palma da mão, é possível obter informações importantes. E foi assim que ele promoveu a cultura de educação fiscal na comunidade escolar", destacou animado.
De acordo com a pedagoga Aísala Renata, a criação de um programa assim é um bom recurso para tornar os estudos mais leves e interessantes.
"Ah, eu acho super importante incentivar esse tipo de produção. Mesmo não sendo uma atividade obrigatória, ela dá espaço pra o aluno ser criativo, experimentar e ver que o que ele faz tem valor. Quando eles percebem que podem criar algo que ajuda outras pessoas, isso traz motivação pra aprender não só na escola, mas na vida também", declarou encantada com a ferramenta e o projeto.
João Vitor Regis, professor Suênio e colega durante aula da disciplina de 'Práticas Itegradoras'
João Vitor Regis / Arquivo pessoal
O educador concorda com a pedagoga e abraça a intenção de que o programa gerou benefícios que extrapolam as atividades escolares em sala de aula e que se aplicam à vida de todos.
"Hoje os alunos sabem quanto é gasto na cidade por meio do chatbot e conseguem ver quanto de cada valor que chega aos cofres públicos é investido na cidade. Sabe quanto o prefeito recebe, quanto é gasto na saúde. Eles agora conseguem enxergar melhor como que acontece esse ciclo e podem fiscalizar", reforçou.
Outro fator positivo é como as práticas do presente podem construir uma base sólida para o futuro dos jovens estudantes. O João Vitor, por exemplo, quer cursar Ciência da Computação na universidade. E os primeiros passos já foram dados na escola.
"O João Vitor traça novos horizontes para estudar. E ele vai chegar mais preparado no objetivo dele. Mas não é só isso, é também o papel como cidadão", ressaltou.
E antes que o jovem se torne um universitário, o professor o orienta semanalmente. Os encontros acontecem nos horários da disciplina. Nessas reuniões, a dupla faz uma autoavaliação, identifica quais sãos os campos de melhoria, aprimora a ferramenta e faz os testes com o restante da turma.
Mesmo em aperfeiçoamento constante, o projeto já mostrou ser digno de reconhecimento e foi coroado como vencedor do "Prêmio Afrafep de Educação Fiscal" no ano passado. O professor se sentiu honrado pela homenagem, que o impulsionou ainda mais no trabalho já realizado em sala de aula, a partir da tecnologia e inovação.
Professor Suênio Anderson recebendo 'Prêmio Afrafep de Educação Fiscal' em 2024
Sefaz-PB/Divulgação
'Nota cidadã': mais uma forma de estimular a cidadania fiscal
A campanha de prêmios “Nota Cidadã” é mais um recurso para fortalecer a cidadania fiscal na Paraíba, onde ela foi lançada em 2019. A iniciativa é do Governo do Estado e toma forma por meio do trabalho da Sefaz.
A finalidade da campanha é promover uma participação mais ativa do cidadão paraibano na exigência da nota fiscal durante a compra de produtos. A iniciativa, com prêmios mensais em dinheiro, também tem o objetivo de apoiar e estimular as compras no comércio local.
Para participar e concorrer aos prêmios, os contribuintes devem, inicialmente, fazer um cadastramento no Portal da Cidadania, em https://notacidada.portaldacidadania.pb.gov.br/usuarios/cadastro. Durante o cadastro, que é obrigatório, são exigidos dados pessoais como número de CPF, nome completo, data de nascimento e e-mail.
A outra exigência é inserir na Nota Fiscal de Consumidor Eletrônica (NFC-e) ou na Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), autorizadas pela Sefaz-PB, o número do CPF do consumidor, independente do valor do documento fiscal. Essa nota com o CPF do cidadão vai gerar um bilhete que servirá para concorrer aos sorteios em dinheiro.
Portanto, o consumidor deve inserir na nota fiscal em cada compra, de qualquer valor, o número do CPF para então concorrer aos prêmios. Os sorteios acontecem mensalmente na sede da Loteria do Estado da Paraíba (Lotep), em João Pessoa.
Pode participar da campanha qualquer pessoa a partir dos 18 anos, que tenha adquirido mercadoria, como consumidor final, em estabelecimento inscrito no Cadastro de Contribuintes do ICMS do Estado da Paraíba (CCICMS).
Os recursos da campanha são do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento da Administração Tributária (FADAT).
Nota fiscal
Divulgação
Como denunciar a suspeita de sonegação fiscal na Paraíba
Os paraibanos contam com dois canais para denunciar possíveis crimes de sonegação fiscal. Um deles é o telefone 197, da Polícia Civil, por meio de ligação gratuita.
O outro é o portal da Sefaz, em https://www.sefaz.pb.gov.br/denuncia. Na página, o cidadão pode denunciar qualquer tipo de situação onde há um provável problema de sonegação.
Um exemplo de episódio que pode gerar uma denúncia é a recusa de um estabelecimento ou empresa de entregar o cupom fiscal após uma compra.
Uma denúncia precisa de algumas informações iniciais:
➡️Descrição do fato denunciado;
➡️Local do fato que está denunciado;
➡️Empresa denunciada;
➡️Inscrição estadual da empresa;
➡️CNPJ.
Quem está denunciando uma possível irregularidade não tem a obrigação de se identificar. Mas se for possível, essa identificação é importante para facilitar a apuração de dúvidas sobre os fatos indicados na denúncia. De toda forma, os dados serão mantidos em sigilo.
Quando esse tipo de ação é denunciada, equipes do O Grupo Operacional de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (GAESF) partem para uma fiscalização, que é quando é investigado se, de fato, existe alguma irregularidade.
Em seguida, a empresa é auditada e pode ser autuada, caso esteja irregular. Depois disso, ainda há um prazo para apresentação de defesa até que uma decisão final seja tomada.
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